UNA barbara e valentim

Reurbanização em Caranguejo Tabaiares

Reurbanização em Caranguejo Tabaiares

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A água permeia a cidade do Recife. A Veneza Americana, como descreveu Gilberto Freyre, nasceu do encontro dos rios Capibaribe e Beberibe com o mar, e estabeleceu sua identidade a partir dessa condição de quase arquipélago. A topografia achatada, quase sem relevos, coberta por manguezais e recortada por riachos, rios e lagoas configuram uma paisagem urbana sempre em movimento.

No início do século XX, a cidade teve sua rede de abastecimento de água e esgoto completamente reorganizada a partir de canais de águas pluviais, projeto do engenheiro Saturnino de Brito. Esses canais desenharam uma cidade de pontes que reafirmava a intenção de convivência com as águas.

No entanto, hoje em dia, os rios estão muito poluídos, em todos os canais vêem-se montes de lixo acumulado. Ao longo dos cursos d’água diversas áreas foram ocupadas, oferecendo condições miseráveis de habitabilidade. A cidade ilegal convive com diversas ausências, entre elas a falta de infraestrutura urbana, ligada ao aparecimento de graves doenças infecciosas há muito erradicadas de outras cidades brasileiras.

No âmbito das políticas urbanas para a habitação social, alguns avanços vem acontecendo. Recife foi a primeira cidade brasileira a constituir legislação específica para as áreas de assentamentos habitacionais de população de baixa renda. Um dos objetivos foi oficializar a demarcação do território ocupado, garantindo que a população residente, tradicionalmente marginalizada e expulsa, não fosse transferida para outros bairros, integrando essas áreas através de projetos de reurbanização.

A Prefeitura Municipal de Recife, através de um plano chamado Capibaribe Melhor, está reestruturando as margens do principal rio através da articulação de um sistema de parques e áreas livres, da construção de novas unidades habitacionais e da implantação do sistema de serviços básicos de infraestrutura urbana. Serão 21 comunidades beneficiadas por esses projetos, e dentre elas, uma pequena área quase central chamada Caranguejo Tabaiares.

Instalada em 1910, num braço do Rio Capibaribe junto da ilha do Zeca e da Avenida Tabaiares, a comunidade se estruturou a partir do Canal do ABC, de águas poluídas, estabelecendo como sistema de circulação caminhos sinuosos, estreitos, por vezes insalubres. Aliado à precariedade dos acessos, não há sistema de esgotamento sanitário ou abastecimento de água adequado, nem sistema de coleta de lixo ou abastecimento formal de energia.

Recentemente um outro plano da prefeitura previu a reurbanização dessa área. Haveria a remoção de casas em condições consideradas de risco, ou seja, com áreas menores que 18m2 ou em situação de palafitas. Deveriam ser abertos caminhos mais generosos a partir da estrutura existente para possibilitar a passagem de caminhões, carros de bombeiros e ambulâncias. O sistema de infraestrutura urbana seria refeito, e 350 casas seriam construídas em áreas livres ou desapropriadas, mantendo a população no mesmo local.

 

A ilha do Zeca é uma grande área verde que ainda resiste, usada para lazer, mas também para a criação de camarões, nos viveiros aí localizados. O canal do ABC ligado ao braço do Capibaribe serve como via de circulação de pequenas jangadas.

A proposta que aqui se apresenta procura manter características dessa comunidade bem como se articular às premissas colocadas pela prefeitura em seu plano para recuperação da área.

 

  1. O projeto parte da associação cidade/água. Interligação hidroviária dos parques e áreas livres ao longo do rio Capibaribe, promovendo conexões com a cidade que antes não existiam ou não eram visíveis. A água volta a ter papel estruturador do espaço público, sendo ao mesmo tempo paisagem e acesso aos programas propostos. A ilha do Zeca poderia se constituir oficialmente como parque público.

 

  1. Construção das frentes de água. Interna à comunidade, a ampliação e limpeza do Canal do ABC valoriza sua presença e facilita o transporte. Foi proposta a construção de um novo cais, uma extensa plataforma; o que antes era fundo passa a se voltar para o Capibaribe.

 

  1. Inserção urbana. Novo sistema pavimentado de ruas e caminhos, a partir da trama existente, estabelecendo diversas ligações com as ruas que conformam os limites da comunidade, conferindo permeabilidade ao conjunto. Ampliam-se os acessos e garantem endereços aos moradores. Praças, passeios e largos entre as casas são valorizados e reestruturados.

 

  1. Implantação de infraestrutura urbana. Sistemas para abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, abastecimento de energia e telefonia devem ser construídos como obras prioritárias para a comunidade e para o entorno imediato. A possibilidade de limpeza dos rios depende dessas ações, que interferem diretamente no desenho do espaço público.

 

  1. Permanência da comunidade na área. Atualmente existem 1083 casas.  Utilizando os critérios propostos pela Prefeitura, as casas em área de risco serão substituídas. Propôs-se a construção de 404 novas unidades habitacionais, garantindo a permanência dos moradores. Essa nova ocupação foi pensada de forma a não usar todos os terrenos vazios existentes, hoje residuais, que passam a ser qualificados como espaços livres públicos.

 

  1. Articulação dos espaços livres com as necessidades da comunidade: a Creche, o Mercado e sua praça, a nova sede da Biblioteca Comunitária, criada em 2005. A Praça da Biblioteca permite a conexão entre a avenida e o interior do conjunto, revelando a presença da água. A Escola existente se estende, também, a esse lugar de atividades coletivas.

Recife possui o maior número de cooperativas de reciclagem de lixo no Brasil. O transporte dos resíduos pelos rios é uma alternativa oportuna, uma cooperativa foi proposta, com acessos rodo e hidroviário.

 

  1. Moradias. Edifícios baixos de 4 pavimentos que podem ser interligados entre si, configuram diferentes desenhos de ocupação, dependendo da necessidade e do local. Essa nova tipologia pode ser incorporada por outros planos. Em Caranguejo Tabaiares os edifícios são articulados e constituem uma só lâmina dupla e longitudinal. Essa peça se repete em sentido transversal, construindo as duas novas frentes da água: uma para o Canal do ABC, outra para o braço do Capibaribe.

A edificação foi concebida para se adequar ao padrão de orçamentos reduzidos previstos pela prefeitura, possibilitando a construção em etapas.

Como o clima é quente e úmido, os pés direitos são altos e facilitam a ventilação cruzada. Grandes beirais estão presentes nas duas faces, porém com características diferentes: a primeira é a circulação horizontal de acesso e a outra, uma varanda do apartamento.

As fachadas estão voltadas para quatro orientações diversas, e para cada uma há uma solução que se ajusta à insolação. A expressão da construção é a mediação entre sol e sombra.

As casas foram pensadas para gerar uma oferta variada de áreas internas, adequando-se à diversidade das famílias. Mesmo com essa variação, todos tem a mesma prumada hidráulica, reduzindo custos de obra e manutenção. As unidades do térreo estão levemente elevadas, diminuindo a umidade, os riscos de inundações e garantindo a privacidade.

Parte do térreo será livre, gerando áreas sombreadas em continuidade com o espaço público, e se completa com áreas comerciais, padarias, farmácia, bares, fundamentais à vida cotidiana.

Local

Recife, PE

Data do início do projeto

2010

Arquitetura

UNA arquitetos: Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara, Fernando Viégas

Colaboradores

Ana Paula de Castro, Bruno Gondo, Carolina Klocker, Eduardo Martorelli, Fabiana W. Cyon, Filipe Barrocas, Jimmy Liendo, Luccas Matos Ramos, Maria Michele Souza de Araújo, Roberto Galvão Júnior

Área Total

161.200,00m²

Colaboração

Prefeitura Municipal de Recife; Urb Recife: Empresa de Urbanização do Recife

Modelo Eletrônico

Clovis Cunha

Fotos

Fred Jordão, Aurelina Moura, Claudia Campello